domingo, 21 de janeiro de 2007

Hoje vamos falar de alguém que nos deixou há relativamente pouco tempo, alguém que levou consigo a magia das palavras ditas, mas que nos legou as suas palavras escritas: Sophia, “aquela que nos devolve a capacidade de nos maravilharmos, de recusarmos o que é fácil, abrindo-nos horizontes de descoberta e de identidade. Tanta coisa escreveu que nos ficou no ouvido, na alma, no nosso modo de ser com o mundo e a vida.” (Maria Teresa Dias Furtado).

Não iremos contar a história da sua vida, nem traçar o seu perfil…Trata-se tão somente de um breve apontamento.

Sophia deixou “a terrena realidade a 2 de Julho de 2004” e por isso, numa altura em que o mundo clama por humanidade faz todo o sentido que estas palavras aqui fiquem, ela que “sendo”, nas palavras de Mário Cláudio, "uma pessoa irónica e com extremo sentido de humor (…) tinha um profundo sentido de humanidade”.

É, então, dessa Sophia que nós hoje falamos: a Sophia que nos deixou frases lapidares e sobre quem tanta gente escreve.
Poderá parecer um trabalho algo enfadonho…mas não haverá, certamente, melhor maneira de recordar alguém que poderia ou deveria ter sido agraciada, como é opinião de tantos, com o prémio Nobel da Literatura. Segundo Mário Cláudio essa atribuição seria mesmo “óbvia”…
Outros assim não quiseram pensar ou sentir.
Afinal esta voz, cantou durante 55 anos…
É sem dúvida “um nome maior da poesia de língua portuguesa deste século – para não dizer simplesmente um dos nossos grandes poetas de sempre, ou um grande poeta do nosso tempo, em qualquer língua ou lugar” (in JL- Jornal de Letras, 16 de Junho de 1999).

E sobre o fascínio da sua voz, aqui fica o registo de um episódio passado com Alice Vieira, escritora que, “infelizmente” só a conheceu nos livros. “Há cerca de 30 anos, Gulbenkian, a propósito dos festejos do dia do livro infantil, uma série de escritores aborrecia a minha filha com as suas histórias de pintainhos. Quando já nada mais era tolerável, chegou Sophia e contou-lhe outra história. Sei que a minha filha não percebeu nada do que disse, mas a sua voz e a entoação únicas conquistaram-na.” (…) “Tinha uma voz incomparável. Mágica. E calou-se. Mas está dentro de todos nós”.

Palavras como as que se seguem e que são da autoria dessa voz, e que devem ser guardadas e lembradas tantas vezes quantas a nossa memória consiga:

-“O Poema é o selo da aliança do homem com as coisas”;
-“Quem escreve sobre uma árvore entra em ligação com ela”;
-“O Poema não fala de uma vida ideal mas de uma vida concreta”;
-“A poesia não se explica, a poesia implica”.

E é isso mesmo. Se a poesia é o selo, se a poesia fala da vida concreta o que haverá para explicar?!!!!!....Por isso mesmo, talvez as palavras mais bonitas e serenas que li a propósito de Sophia, na onda de homenagens que surgiu após a sua morte, tenham sido as de Mia Couto:

“…ela não escrevia poesia, mas era a própria poesia.”

E nunca é de mais recordar as seguintes palavras que nos levam a nós, principalmente aos adultos, para um mundo que insistentemente teimamos em confundir, mas que aqui está tão claro:

Há duas espécies de fadas: as fadas boas e as fadas más. As fadas boas fazem coisas boas e as fadas más fazem coisas más.As fadas boas regam as flores com orvalho. Acendem o lume dos velhos, seguram pelo bibe as crianças que vão cair ao rio, encantam os jardins, dançam no ar, inventam sonhos e, à noite, põem moedas de oiro dentro dos sapatos dos pobres.As fadas más fazem secar as fontes, apagam a fogueira, rasgam a roupa que está a secar, desencantam os jardins, arreliam as crianças, atormentam os animais e roubam o dinheiro dos pobres.Quando uma fada boa vê uma árvore morta, com os ramos secos e sem folhas, toca-lhe com a sua varinha de condão e no mesmo instante a árvore cobre-se de folhas, de flores, de frutos e de pássaros a cantar.Quando uma fada má vê uma árvore cheia de folhas, de flores e de pássaros a cantar, toca-lhe com a sua varinha mágica do mau fado, e no mesmo instante um vento gelado arranca as folhas, os frutos apodrecem, as flores murcham e os pássaros caem mortos no chão” (in A Fada Oriana)

Neste capítulo inicial de um dos contos de Sophia seria fácil, demasiado fácil…, explicar por que razão José Saramago diz que a escrita de Sophia é “Assombrosa”, esclarecendo que era uma “escritora que conseguia purificar a palavra como se a tivesse acabado de inventar.”


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