segunda-feira, 29 de janeiro de 2007


os olhares dos outros sobre nós podem ser devastadores. inquirem. são lancinantes. transformam o nosso mundo em vazios quase sempre cinzentos. querem de nós o que nunca soubemos dar e não queremos ter. as cores perdem-se nesse assalto mudo e o sono invade a vontade de viver.

dormir.fechar os olhos para não sentir o que nos exigem nem desejamos nem apreciamos...
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(fotos de Diafragma, Lafuente e Ferdinand)
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- Se pudesse acreditar, disse Rhoda, que a minha vida se passava em procuras e mudanças, ficaria livre do medo de que nada dure. Um momento não nos prepara para o momento seguinte. A porta abre-se e o tigre salta. Não me viram entrar. Fiz mil desvios entre as cadeiras para evitar o horror dum encontro brusco. Tenho medo de vocês. Tenho medo do choque das sensações pois não posso colhê-las como vocês fazem, não sou capaz de fundir o momento presente com o que vem a seguir. Para mim todos os movimentos são violentos e isolados. E se sucumbisse ao choque do instante, lançar-se-iam sobre mim para me despedaçar. Não tenho nenhum objectivo. Não consigo enfiar uns nos outros os minutos e as horas, dissolvendo-os por um processo simples, de modo a que formem essa massa indivisível a que vocês chamam vida. Porque, ao contrário de mim, vocês têm um objectivo, uma pessoa ao lado de quem se sentar, ou talvez uma ideia, ou a própria beleza... Não sei. Mas assim as horas e os dias passam como os ramos das árvores, passam como o suave verde do bosque diante do cão que corre atrás da sua presa. Mas para mim não existe nenhuma presa, um corpo que me incite a procurá-lo. E não tenho rosto. Sou como a espuma que desliza sobre a praia ou o luar que cai ao acaso sobre uma lata, os picos do cardo marinho, um osso, ou um barco meio carcomido. Um torvelinho arrasta-me para o fundo das cavernas, flutuo como um pedaço de papel ao longo de infindáveis corredores e tenho de apoiar a mão na parede para poder voltar atrás.

(in As Ondas, de Virginia Woolf,
Relógio d'Água, pp. 104-105)

3 comentários:

Rosalina Simão Nunes disse...

é isso mesmo, fernando, beleza literária...

*o dia solar foi muito agradável.

Manel disse...

Os olhos!
No início de 1977 ou final de 1976, em Coimbra, era ministro da educação o já falecido Sotomaior Cardia, aqui este vosso amigo nos seus 18 anitos, é envolvido numa carga policial e com o medo da porrada fitou nos olhos do polícia de bastão erguido, e o bastão não desceu com desceu em outros.
Mais tarde um polícia que fez parte do corpo de intervenção disse-me que a minha sorte foi ter ficado ali de pés colados ao chão, pois o plícia só bareria des eu tivesse virado as costas.
Os olhos, mesmo de medo, safaram-me da bastonada.

Rosalina Simão Nunes disse...

é, manel, os olhos, o olhar é poderoso.

...nessa altura teria eu uns 10 anitos, mas aos 18 também andava pelas terras do mondego...