quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

À CONVERSA COM A ESCRITA DOS OUTROS...hoje, com a de Miguel Sousa Tavares.

No Expresso de Domingo passado, 6 de Janeiro de 2007, na página 7, Primeiro Caderno, consta no topo da página um artigo de opinião cuja leitura passarei a sugerir, provavelmente, aos alunos do 9º Ano, como exemplo do que é dominar bem a técnica da escrita, usando informação errada. Numa palavra: manipular, neste caso, a opinião pública.
Afirma-se, logo no início do artigo, o seguinte: "Pouco antes do Natal, foi anunciado que o Sindicato dos Professores tinha vencido duas acções contra o Ministério da Educação em Tribunal Administrativo." De facto, houve dois professores que viram as suas acções sair vencedoras, portanto, não foi o Sindicato de Professores (até porque não existe um Sindicato de Professores, existem vários...). Parece, também, que não foi o Tribunal Administrativo. As situações reportam-se a professores provenientes de locais diferentes. Logo deveria ter-se escrito os Tribunais. A referência ao Natal e não ao mês de Dezembro é, no mínimo, festiva...
Faz-se referência, ainda nesse parágrafo inicial, ao facto das "célebres aulas de substituição" serem muito contestadas pelos professores. É incontornável que as aulas de substituição têm sido muito contestadas pelos professores, mas não pelas razões que são expostas.
Informar, antes, que sou professora desde Outubro de 1989, isto é, há mais de 17 anos.
Não contesto as aulas de substituição. E a provar que é verdade, declaro que, sendo chamada pelos funcionários para ir substituir um professor que tenha faltado, vou, sem levantar qualquer questão. Nunca manifestei formalmente a minha indignação por tal facto. E porquê? É simples, o horário que me foi atribuído contempla duas aulas de Acompanhamento, ou seja, tenho que estar presente na Sala de Professores e, caso seja chamada, substituir o professor que falte, logo leccionar, vulgo, dar aulas. Eu cumpro as minhas obrigações.
Acontece que, além dessas duas horas, eu tenho outras 22 horas de aulas. Acontece, também, que está definido que o meu horário, de acordo com a idade, e apesar dos já 17 anos de Serviço, não seja contemplado com qualquer hora de redução. Assim, além das 22 horas lectivas, há semanas em que dou 23 ou 24 aulas. Consequentemente, e sempre que isso aconteça, apresento nos Serviços Administrativos, um Requerimento a solicitar o pagamento de horas extraordinárias.
Dirão os mais distraídos: mas o que são 24 horas de trabalho semanal. Posta a questão assim, que é como o autor do artigo a coloca, as suas palavras estariam correctas. Acontece, de novo, que está definido por lei que o horário do professor (3º Ciclo) deve contemplar: componente lectiva - aulas (22 horas) e componente não lectiva - trabalho individual / reuniões / Trabalho de Estabelecimento / Outras Actividades.
Tornando ainda mais clara a informação e transcrevendo o que consta no meu horário (semanal):
Componente lectiva (aulas) - 22h
Componente não lectiva
- reuniões (2h);
- trabalho individual (9h);
- trabalho de estabelecimento (2h);
- outras actividades (2h).
Portanto, fazendo as contas, perfaz um total de 35 horas. O legal. No entanto, sempre que, e porque na minha escola, como outras actividades me foram atribuídas duas horas de acompanhamento, sou chamada para substituir outro professor passo a ter mais duas horas lectivas, perfazendo um total semanal de 24 horas lectivas o que se traduz em 2 horas extraordinárias, dado que o meu horário só deve contemplar 22 horas lectivas que já tenho.
É óbvio que outras actividades me deveriam ter sido atribuídas. Má gestão. Ilegalidade. O que é certo é que, nessas circunstâncias, eu tenho direito a ser paga pelo serviço extraordinário, e o Estado tem a obrigação de mo pagar.
Assim, parece-me que no artigo de opinião há recolha de informação errada, ou tratamento inadequado da informação recolhida, ou intencionalidade de difamação. O que se apresenta não é verdade. Não está correcto.
Acresce dizer que a existência de aulas de substituição não foi uma medida desta ministra. Já está contemplada no anterior Estatudo da Carreira Docente. O que a ministra, os secretários de Estado, o Governo e muitos Órgãos de Gestão têm feito é uma errada interpretação da lei. O que os professores têm feito é exigir a legalidade.
Achar que o nível de desempenho dos alunos se pode medir por aquilo a que o autor do texto designa como "absentismo dos professores" revela um desconhecimento total daquilo que é avaliar e, principalmente, daquilo que tem sido aturar as successivas políticas educacionais dos vários governos.
Quando se diz que "Os sindicatos têm contestado a utilidade disto [referindo-se às aulas de substituição], com o argumento de que um professor não está preparado para leccionar fora da sua especialidade, nem lhe cabe «tomar conta de meninos», mas apenas ensiná-los", é estar a extrapolar aquilo que tem sido dito. Julgo que justifiquei em cima o quão falaciosa é esse tipo de afirmação. Até porque o que é dito a seguir é tão ofensivo e incoerente que o melhor é mesmo não perder tempo com a assunto. Uma vez que fazendo-o teria que ser profundamente crítica e revelar o que o conteúdo transmite. Acção que acho prudente não fazer, uma vez que seria pouco lisonjeadora.
Além da situação concreta do meu horário, poderia referir a situação de tantos e tantos professores que por idade e tempo de serviço têm reduzida a sua componente lectiva, facto que está previsto na lei, e que neste momento estão a dar aulas porque têm de dar aulas de substituição. É coerente esta situação?! Faz sentido?!...Não me parece que faça, isto, claro, para quem quiser olhar para a situação com olhos de ver, como se costuma dizer... De repente, todos sabem o que é ser professor, quais os direitos e os deveres dos mesmos. Todos são opinadores.
Hilariante é o parágrafo seguinte onde se apresenta a verdadeira finalidade das aulas de substituição, a saber: "...consciencializar os absentistas habituais de que as suas faltas causam danos e incómodos concretos...". Ora, o jocoso da situação é que, na profissão de professor, tal como nas demais, os que são habituais, continuam a sê-lo. Passado ano meio desde que a questão das aulas de substituição iniciou, nas escolas, os professores que faltavam continuam a faltar e os que não o faziam, continuam a agir em confirmada. Logo não há diferenças a não ser no desgaste e no aspecto financeiro, dado que, em muitos casos, por má gestão dos órgãos competentes, essas aulas traduzem-se em horas extaordinárias.
Nos parágrafos seguintes, o autor do artigo ataca a outra actividade profissional envolvida na situação: os juízes. Como se trata de matéria que não domino, não me pronunciarei. Apesar disso e antes de terminar, uma nota apenas.
O Presidente da República di-lo muitas vezes, quando os jornalistas o interpelam no sentido de comentar as decisões dos Tribunais: não comento. Isto é, o Presidente da República respeita as decisões tomadas em tribunal por juízes.
Miguel Sousa Tavares, quando se refere às mesmas decisões escreve, e passo a citar: "Estas sentenças são aberrantes..."
Perante o exposto, só me resta colocar uma questão: Se quem dá aulas, é professor e quem faz aplicar a lei é juiz, o que será quem escreva sem saber do que escreve?

7 comentários:

Anónimo disse...

Excelente!...
5 no final do ano lectivo!

Pedro Damião disse...

A propósito de Ministério da Educação e órgãos de gestão, tenho lido algures por aí que alguns órgãos de gestão parecem viver numa atitude servil face ao Ministério. Não sei se, como que endeusados ou se embruxados. Acríticos, acéfalos e reverencialmente medrosos. Não serão todos decerto, mas para lá caminham.

Rosalina Simão Nunes disse...

só no fim do ano lectivo, 3,14?! então, pá, e no 2º período?

ehehehhehehhe...

Rosalina Simão Nunes disse...

eu vou pela última hipótese, pitacajo. decididamente. ;)

Rosalina Simão Nunes disse...

claro, fernando.

sinceramente, este texto de MST deixou-me estupefacta...

enfim.

*gostei da imagem.

Fliscorno disse...

Olá. Excelente defesa dum ponto de vista. Objectiva e sem demagogias.

Sobre MST e a sua crónica no Expresso, ocorre-me dizer que o erro base de toda a sua argumentação - bem como de muitos que seguem a mesma linha de pensamento, é que as aulas de substituição servirão para diminuir o absentismo. Até o inenarrável Valter de Lemos vai por esse mesmo caminho.

Se há faltas de professores justificadas com falsos atestados médicos, então o problema resolve-se verificando se os atestados são efectivamente falsos.

É indo à origem dos problemas que ele se revolvem e não pela aplicação dum remendo.

Parece-me de elementar demagogia dizer que as aulas de substituição baixam o absentismo, pois quem tiver que faltar, terá que faltar. Não será pelas aulas de substituição que as mulheres deixarão de engravidar, as pessoas deixarão de adoecer ou uma mãe ou um pai deixarão de levar o filho ao hospital se ele adoecer.

Além disso, a lei determina em que circunstâncias as faltas poderão ser justificadas. Como em qualquer outra profissão, de resto. Se as justificações são falsas, é aí que o problema tem que ser resolvido.

Bom, obrigado pelo tempo de antena, expandi-me um pouco. Aproveito para esclarecer que não sou professor, apenas um interessado na matéria.

Rosalina Simão Nunes disse...

Se as justificações são falsas, é aí que o problema tem que ser resolvido.

ora, essa é a questão. um dia destes ainda escrevo sobre esse assunto.

obrigada pelo comentário.