EÇA DE QUEIRÓS – ESCRITOR POLIFACETADO
“-Ó deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!” Estas são as últimas palavras que Ulisses profere, quando parte da ilha de Ogígia. A deusa é Calipso, deusa radiosa que durante sete anos manteve Ulisses cativo na sua ilha perfeita.
Num texto pleno de beleza e imagens fulgurantes - "A Perfeição" - , Eça surpreende-nos com um Ulisses excessivamente humano e mortal.
O homem dos mil artifícios, nesta versão de Eça de Queirós, liberta-se do mundo da “serenidade sublime” (a ilha de Calipso) que o impede de viver a sua vida e foge ansiosamente “para a delícia das coisas imperfeitas” – a esposa, Penélope, o filho, Telémaco e a sua ilha, Ítaca.
Curiosamente, o título deste conto de Eça, sendo “A Perfeição”, tendo como personagem principal um dos heróis mais perfeitos da literatura, trata, afinal, da condição humana.
Todos somos homens e mulheres, seres pensantes e plenos de emoções que querem sempre mais. A busca da perfeição por vezes confunde-se com a busca da felicidade. Quantos não têm medo de dizer que são felizes, temendo desafiar a ira dos deuses??...E, afinal, quantas vezes não somos já felizes e o que queremos é a perfeição que nunca conseguiremos alcançar...Sendo humano errar, torna-se impossível atingir o BEM supremo. Mas é possível ser e estar feliz, isto se soubermos (re)conhecer a nossa condição humana.
É esta uma das mensagens possíveis deste conto.
E Eça de Queirós quem foi? Começa a ser, para alguns, um desconhecido; para outros o “terror” d’Os Maias; para os alunos do 9º Ano outro autor que aprendem a ler.
Durante a leitura de “A Perfeição”, os alunos vão, paulatinamente, aderindo às palavras, aos sentidos. E ainda que muitos dos vocábulos sejam desconhecidos, o que é certo é que, no final, percebem a mensagem.
Provavelmente, quando tiverem de estudar Os Maias, no Ensino Secundário, estarão, à partida, receptivos à sua leitura. Tratando-se o seu autor do criador daquela história que leram no 9º ano, em que um homem prefere a mulher imperfeita e mortal à deusa cheia de virtudes, a motivação será mais fácil, certamente...
Autor dos mais variados caracteres, Eça de Queirós idealizou sempre um Portugal melhor e mais universal, sendo os seus romances profundamente críticos. A sua própria ironia, extremamente fina e amarga, mais não foi do que a expressão de um sentimento patriótico lúcido e profundo. É um facto que a nossa ficção atingiu com Eça de Queirós “um indiscutível universalismo”, isto “em pleno período realista e naturalista”.
José Maria de Eça de Queirós nasceu a 25 de Novembro de 1845, na Póvoa de Varzim. Filho bastardo de um magistrado e homem de letras, José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, só quatro anos após o nascimento é que o pai casa com a mulher que o dera à luz. Estudou como interno num colégio de Porto, o Colégio da Lapa, dirigido pelo pai de Ramalho Ortigão, que o iniciou nas leituras de Garrett.
Em 1861, partiu para Coimbra, aí se formando em Direito em 1866. Em Coimbra conheceu Antero de Quental e outros que viriam a formar a chamada Geração de 70 (A partir de 1860, a geração dos estudantes de Coimbra revoltou-se para mostrar a inconformidade das suas ideias com os valores oficiais da sociedade em que vivia).
Publicou o primeiro texto, “Notas Marginais”, em Março de 1866, na Gazeta de Portugal. Ainda em 1866, Eça instalou-se em Lisboa, na casa paterna, criando o Grupo do Cenáculo (Grupo formado por alguns escritores e intelectuais pertencentes à chamada geração de 1865, que se reuniam em Lisboa, passados anos dos seus estudos em Coimbra).
Fundou e dirigiu um jornal da oposição, em Évora – O Distrito de Évora.
Viajou até ao Egipto e de regresso colaborou nas Conferências do Casino (Episódio que contribuiu para o aparecimento do Realismo em Portugal, tendo-se realizado em 1871).
Entre Julho de 1870 e Julho de 1871 foi administrador do concelho de Leiria.
Em Novembro de 1872, partiu para Havana como cônsul, daí seguindo em missão para os Estados Unidos.
Em Novembro de 1874 foi transferido para o consulado de Newcastle, em Inglaterra. Por fim foi nomeado cônsul em Paris, em 1888, aí permanecendo até à sua morte, ocorrida a 16 de Agosto de 1900.
Sobre a sua obra, múltipla e variada, concentrando-se sobretudo no romance, diz-nos Carlos Reis, Professor de Literatura da Faculdade de Letras e estudioso de Eça: “...uma visão de conjunto da obra de Eça de Queirós revela-nos, antes de mais, um escritor polifacetado, porque responsável por uma produção literária que pode ser distribuída por três sectores: há um Eça romântico (o das Prosas Bárbaras (1866-1867) e o da primeira versão do Crime do Padre Amaro (1875)); há, depois, um Eça progressivamente atraído pelos valores do Naturalismo (na segunda e terceira versões do Crime do Padre Amaro (1876 e 1880) e no Primo Basílio (1878); há, finalmente, um Eça ecléctico, isto é, aberto a várias tendências estéticas e sobretudo não enquadrado de modo rigoroso em qualquer corrente literária específica (O Mandarim (1880), A Relíquia (1887), Os Maias (1888) e a A Cidade e as serras (1889).”
E, como a melhor maneira de conhecer um escritor é lê-lo, aqui ficam algumas das palavras que nos deixou a propósito da discussão de um orçamento..., sublinhe-se que a transcrição remonta a 1867...
“Começou na câmara a discussão do orçamento: tanto tempo protraída, tanto tempo reclamada, saiu por fim para a arena a sofrer o exame minucioso dos discretos e dos experientes. Reconheceu-se mais que nunca que a fazenda estava desorganizada. A questão da fazenda é realmente aquela cuja solução mais interessa, porque nela vão os destinos deste país: questão agrícola, questão industrial, questão de funcionalismo, questão de exército; tudo mais ou menos prende às questões do orçamento. Discutir o orçamento é revolver quase todo o sistema de reformas sensatas que pedem as nossas instituições. Há muito que as dificuldades financeiras pesam sobre este país, como uma fatalidade desorganizadora que ora entorpece um movimento, ora inutiliza uma acção profunda, ora inabilita um progresso.” (in prosas esquecidas IV polémica / 1867, pág. 41)