domingo, 4 de fevereiro de 2007

CONTAGEM DECRESCENTE. FALTAM 7 D...

"Vou à missa e voto Sim" (excerto)
Texto de Nuno Saraiva, in Expresso, Primeiro Caderno, pág. 10, 27 de Janeiro de 2007
Dezasseis anos depois, a voz de Alexandra (nome fictício) ainda fica embargada quando fala sobre aquela ida à Costa da Caparica. O ano de 1992 tinha entrado há menos de uma semana. Alexandra, 17 anos, estava desesperada com a gravidez indesejada, fruto de um namoro conturbado com um luso-francês de 24 anos. "Ele queria que eu fosse viver com ele em Paris." Mas Alexandra tinha outros planos: acabar o liceu, entrar na faculdade e estudar Direito. O casamento era algo tão distante quanto a capital francesa.
Quando sentiu os primeiros enjoos ligou para Paris e contou ao namorado. "Ele confessou que tinha furado o preservativo. Disse-me que agora eu não tinha saída. Tinha que ir para França e casar com ele porque não admitia que eu matasse o filho dele", recorda.
Aflita, Alexandra correu para casa. "Passou-me tudo pela cabeça, até cortar os pulsos". A mãe, divorciada, estava na cozinha a fazer o jantar. "Contei-lhe o que se estava a passar e ela levou-me ao médico de família que nos recomendou uma parteira na margem sul." Mais tarde, descobriu que o médico recebia uma comissão por cada mulher que abortava naquelas condições.
Quando chegou à clínica clandestina, acompanhada pela mãe e pela avó, as pernas tremiam-lhe e as lágrimas corriam-lhe pelo rosto abaixo. As paredes despidas de quadros e a ausência de flores tornavam o ambiente ainda mais pesado. "Eu só queria ver-me livre daquilo e retomar a minha vida", lembra Alexandra, voluntária do movimento pelo 'sim'.
Hoje ainda recorda o cheiro do éter, insuficiente para a fazer adormecer. Sentiu tudo, do princípio ao fim da intervenção. "Não me arrependo, mas gostaria de não ter passado por isto", garantiu. Na altura, Alexandra não tinha consciência de que tinha cometido um crime. Só mais tarde, já na faculdade e após a leitura do Código Penal é que se apercebeu: "Achei um absurdo. Nunca senti nada vivo dentro de mim e não tinha qualquer instinto maternal."

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