quinta-feira, 9 de novembro de 2006

argumentação falaciosa

No n.º 212, Outubro de 2006, do Jornal da FENPROF, página 15, no espaço da entrevista feita a Mário Nogueira, numa espécie de nota de roda pé, lê-se o seguinte:
"(...)eu penso que os professores podem estar muito inquietos e preocupados com aquilo que vai ser a evolução das condições socioeconómicas do seu trabalho, mas isso não significa que, quotidianamente, na escola, não gostem de ensinar, não estejam de corpo e alma com os seus alunos e não dêem o seu melhor. É isto que no fundo se manifesta."
Entrevista da Maria de Lurdes Rodrigues,
Ministra da Educação no jornal "Acção Socialista"
Confesso que tive de ler várias vezes estas palavras, e, ainda assim, não as consegui perceber. Poder-se-á dizer que é por estarem retiradas do seu contexto. Talvez. E, no entanto, sem conhecer (ainda) o texto na íntegra, este, suponho que..., final de parágrafo está enfermo. Assim sendo, e para melhor perceber o seu conteúdo, decidi fazer uma análise mais metódica do mesmo, tendo que passar, obviamente, pelo tratamento escrito.
[...]
Vejamos:
A Senhora Ministra da Educação pensa que os professores podem estar muito inquietos e preocupados...A primeira questão que se coloca desde logo é a seguinte: utilizando para introduzir este parecer o verbo penso, a Senhora Ministra deveria ter dito penso que os professores possam estar muito inquietos e preocupados, porque, afinal, é tão simplesmente uma opinião.
De facto, os professores estão inquietos e preocupados, mas, garantidamente, não será com aquilo que venha ser a evolução das condições socioeconómicas do seu trabalho.
Os professores estão preocupados com as condições pedagógicas de trabalho que já lhes estão a ser asseguradas pela actual equipa ministerial.
Como é óbvio, não me atrevo, sequer, a explicar o que são condições pedagógicas de trabalho. Afinal, todo o professor é um pedagogo e a autora das palavras é a Ministra da Educação.
É óbvio, também, que, como consequência das medidas socioeconómicas preconizadas pelo actual Governo, os professores, a curto prazo, passarão a estar muito preocupados com as condições pedagógicas inerentes às mesmas.
Feita a leitura da primeira parte desta proposição, carece, agora, explorar a segunda que, aparentemente, pela utilização do mas, seria o contraposto da primeira. Pois...
Diz, então, a Senhora Ministra que apesar de estarem muito inquietos e preocupados com aquilo que vai ser a evolução das condições socioeconómicas do seu trabalho,(...) quotidianamente, na escola, os professores gostam de ensinar e estão de corpo e alma com os seus alunos e dão o seu melhor.
Em suma, os professores são pessoas que gostam de ensinar, dão o corpo, a alma e dão o seu melhor!
Ora bem, tendo afirmado antes que as preocupações dos docentes são socioeconómicas, gostaria de saber qual é o preço, em euros, da minha alma. Porque é isso que se infere das palavras: que os professores andam a vender a alma.
Como se sabe, a dádiva dos professores é remunerada todos os meses.
E, no entanto, eu não sou missionária...
Sou professora de Nomeação Definitiva do Quadro de um Escola (vulgo professora efectiva), logo profissionalizada.
Não dou, nem vendo aulas: sou professora.
Quanto à frase final: É isto que no fundo se manifesta, gostaria de perceber como é que se tem essa certeza.
Quantos anos se passaram numa escola?
Com quantos professores se falou até agora?
Todos os juízos de valor devem ser construídos com base em factos vivenciados, estudados. Só assim são válidos. Só assim poderão ser credíveis.
O silêncio é preferível à argumentação falaciosa.


Rosalina Simão Nunes

6 comentários:

mfc disse...

Gostei da desconstrução que fizeste.
Esta Senhora Ministra não existe mesmo.
É preciso ter tido "dedo" para a escolher!

Pêndulo disse...

"Com papas e bolos se enganam os tolos" , é o que tem sido feito com a opinião pública.

Rosalina Simão Nunes disse...

e foi mesmo isso, mfc: desconstrução. exercício que gosto imenso de fazer.

Rosalina Simão Nunes disse...

não podias estar mais certo, Pêndulo.

eu espero que tal como eu, outros se comecem a manifestar desta forma: implacável.

Alien8 disse...

Plenamente de acordo.
Esta Senhora Ministra não será assim do tipo "uma no cravo e outra na ferradura"? (Sem quaisquer implicações equinas, está bem de ver!)

Rosalina Simão Nunes disse...

infelizmente, alien, creio que nem isso se possa dizer. :)

em todas as palavras da Senhora Ministra, em todo o seu discurso, não existem restícios de qualquer fundamento pedagógico.

uma das maiores virtudes da actividade pedagógica é ter a capacidade de reconhecer que se aprende todos os dias, que não há, na educação, conceitos ou preceitos ou práticas definitivas.

a Senhora Ministra* não sabe o que isso é, nem admite, sequer, que possa estar errada.

porque está.



*claro que a Senhora Ministra é, apenas, o rosto da Educação, neste momento, em Portugal.