terça-feira, 21 de novembro de 2006

Coro

Senhor, se ele dissertou com propriedade, é natural que tu aprendas com ele, e tu, Hémon, com teu pai, por tua vez; pois de ambas as partes se disseram palavras sensatas.


Creonte

Com que então devo aprender a ter senso nesta idade, e com um homem de tão poucos anos?


Hémon

Nada aprenderias que não fosse justo. E, se eu sou jovem, não são os anos, mas as acções, que cumpre examinar.


Creonte

«As acções» consistem então em honrar desordeiros?


Hémon

Nem aos outros eu mandaria ter respeito pelos perversos.


Creonte

E então ela não foi atacada por esse mal?


Hémon

Não é isso que afirma o povo unido de Tebas.


Creonte

E a cidade é que vai prescrever-me o que devo ordenar?


Hémon

Vês? Falas como se fosses uma criança.


Creonte

É portanto a outro, e não a mim, que compete governar este país?


Hémon

Não há Estado algum que seja pertença de um só homem.


Creonte

Acaso não se deve entender que o Estado é de quem manda?


Hémon

Mandarias muito bem sozinho numa terra que fosse deserta.


(in Antígona, Sófocles, INIC, 1984, vv. 725-739,
pp. 69-70, trad. de Maria Helena da Rocha Pereira)
_________________________________________
o Coro, a voz sensata.
Hémon, o filho.
Creonte, o pai.
Sófocles, séc. V A.C..

8 comentários:

Unknown disse...

Antiguita esta guerra de gerações, no fundo, tão antiga quanto a criação.

:( para a guerra que se me avizinha

:) pró resto

XX prati

Alien8 disse...

Obviamente, uma as minhas partes preferidas, esta discussão, em que assumi o que pensava ser o tom de rebeldia de um jovem que, por amor e raiva, enfrenta o pai /rei.

Afinal, um crítico de teatro, que não vou nomear, fulminou os meus dezassete anos, acusando-me de assumir o tom de "discussão futebolística" no que deveria ser raiva surda e contida.

Confesso que, até hoje, ainda não percebi porque deveria o jovem Hémon discutir de forma calma e contida, politicamente correcta, dir-se-ia hoje, com Creonte, em vez de dar largas à sua raiva, como qualquer jovem acossado que se preze.

Mas, se calhar, o crítico é que sabia.

Adiante, porque a peça, de resto, foi um sucesso (para o público que assistiu aos diversos espectáculos, já se vê).

Agora, eu a ler as falas, e a vir-me tudo à memória, como se tivesse sido ontem (porque, desta parte, já não me lembraria sem "ponto".)

Reler os clássicos sempre ajuda :) Obrigado, Rosalina!

Rosalina Simão Nunes disse...

jotabê, guerra que de certeza conseguirás, ganhando, fazer sentir que empataste.

XX prati*, também.


*gostei do prati

Rosalina Simão Nunes disse...

que bom, alien.

quanto à interpretação do crítico...

pois, eu leio como tu. aliás, as palavras iniciais do coro ao apelarem a que Hémon aprenda com o pai permitem fazer essa leitura.

eu sinto mesmo, no discurso do jovem, bastante arrogância.

Cristina disse...

o desafio...sempre presente.

um beijo, rosalida ;)

Rosalina Simão Nunes disse...

é verdade, cristina. eu gosto de desafios.

beijoca.

Anónimo disse...

Eu interpreto esse clássico da literatura como um texto sobre a aquisição do poder politico e a forma de o exercer. O exercício do mesmo a favor da colectividade ou em benefício de quem o exerce.

Essa peça tem sido muito bem encenada e representada pelo Teatro da Cornucópia.

Boa tarde Rosálea

Rosalina Simão Nunes disse...

não há consenso entre os estudiosos sobre a mensagem deste texto. creio que a tua é outra leitura possível.

eu, talvez porque me seja um conceito excessivamente caro, gosto do que M. Pohlenz diz. "o que Sófocles faz é elevar a total esfera da legalidade para a moralidade, das limitações da prática do culto para a religiosidade, e, sinultaneamente, para o puramento humano, e, a partir desse plano, dirimir a questão do que é justo e do que é injusto.


também gostei de ser Rosálea. ;)