segunda-feira, 27 de novembro de 2006

-Bom dia – disse o principezinho.
-Bom dia –disse o agulheiro.
-O que fazes aqui? – disse o principezinho.
-Separo os passageiros em pacotes de mil – disse o agulheiro. – Dou a partida aos comboios que os levam, ora para a direita, ora para a esquerda.
E um rápido iluminado, rugindo como um trovão, fez tremer a cabina do agulheiro.
-Têm muita pressa – disse o principezinho. – O que procuram?
-Nem sequer o próprio maquinista o sabe – disse o agulheiro.
E em sentido inverso, rugiu um segundo rápido iluminado.
-Já estão de volta? – perguntou o principezinho...
-Não são os mesmos – disse o agulheiro. – É uma mudança.
-Não estavam satisfeitos onde estavam?
-Nunca se está satisfeito onde se está – disse o agulheiro.
E rugiu o trovão de um terceiro rápido iluminado.
-Estão a perseguir os primeiros passageiros? – perguntou o principezinho.
-Não perseguem nada – disse o agulheiro. – Dormem lá dentro ou então bocejam. Só as crianças esmagam o nariz contra as vidraças.
-Só as crianças sabem o que procuram – disse o principezinho. – Perdem tempo com uma boneca de trapos e ela torna-se muito importante, e se lha tiram, chora...

-Têm sorte – disse o agulheiro.


Antoine de Saint-Exupéry
O Principezinho
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deveríamos perder mais tempo com bonecas de trapos?!...
(...)
julgo que sim...
O texto de que transcrevi de O Principezinho faz parte duma ficha de trabalho que propus a uma das turmas que tenho neste ano. A propósito dum comentário que se pedia sobre a oposição que se estabelece entre o mundo das crianças e o mundo dos adultos, uma jovem de 14 anos escreve assim:
As crianças vivem num mundo criado por elas próprias, onde não existe maldade, terror, tristeza, nem nada de mau. É com esta ilusão que elas são felizes.
Os adultos vivem num mundo completamente diferente. Cheio de maldade, tristeza, onde toda a gente se preocupa apenas consigo mesmo.
Enquanto as crianças vivem felizes com o mundo que vão construindo, os adultos já o têm construído e vão dando cabo dele.
As crianças apenas têm certezas, certezas daquilo que têm e querem, enquanto que os adultos só conseguem ter dúvidas e preocupações.

4 comentários:

Unknown disse...

Essa miúda, já está mesmo no ponto para começar ela própria a ser adulta e complicar a vida dela. Está com a visão muito esclarecida da vida e da realidade.

:)

XX

Rosalina Simão Nunes disse...

é verdade, jotabê. já é minha aluna desde o ano passado e às vezes apetece-me "obrigá-la" a brincar...
esta já deixou as bonecas de trapos há muito.


XX

Alien8 disse...

Não existe maldade no mundo das crianças? Nem são cruéis umas em relação às outras? Não me parece que as coisas sejam tanto assim a preto e branco. Valha-nos, entretanto, o Principezinho...

Rosalina Simão Nunes disse...

essa questão requer estudos, alien.

sabes, do contacto diário com elas, cada vez mais irrequietas, traquinas, outras até violentas, quase que me apetece dizer que, de facto, não há maldade, regra geral, no seu mundo.

muitas vezes somos nós, os adultos, que olhamos para as suas atitudes e comportamentos como se já fossem grandes e as rotulamos disto e daquilo.

claro que há excepções, mas serão poucas.

tivesse eu tempo e procuraria provar esta ideia. :)