terça-feira, 17 de junho de 2014

À volta do bule do chá

No dia 10 de junho, publiquei, no meu mural do Facebbok,  com o seguinte comentário, a foto de cima:

Orgulhosamente, Professora!

Hoje, chegou-me, por mãos amigas, o texto que a seguir publico com a devida autorização do seu autor.

O orgulho é o mesmo.

« À VOLTA DO BULE DO CHÁ

Alguns comentadores da nossa praça, nenhum deles insuspeito, diga-se em abono da verdade, quiseram aproveitar o desmaio de Cavaco Silva, na Guarda, para, a partir de um discurso aparentemente solidário com o cidadão momentaneamente fragilizado, se atirarem a quem, naquele espaço público, protestava contra o governo e as políticas que põem em causa o futuro de Portugal e destroçam a vida de milhões de portugueses.
O que se passou na sequência do desmaio, não quiseram esses comentadores saber. Não lhes interessava reconhecer (embora alguns saibam) que os manifestantes estavam muito longe do palanque onde discursava o PR, não havia som no local e a visibilidade era reduzida dada a quantidade de gente presente e também devido à segurança montada. Não lhes interessa reconhecer que, tal como passou em canais televisivos, em direto, os manifestantes não se aperceberam do desmaio e, no final, frisaram que o respeito pelo ser humano era algo inquestionável. A nenhum dos comentadores interessou saber quando tinham sido recolhidas as imagens em que manifestantes sorriam e se o faziam na sequência do desmaio ou reagindo a provocações feitas por uns quantos quadros partidários e alguns agentes à paisana que, notou-se, gostariam que a reação tivesse sido outra. Não consta que algum desses comentadores tivesse tentado saber o que, realmente, se passara, pois isso poderia pôr em causa (poria) o comentário pretendido.
Conhecendo-os como conhecemos, o que deverá ter incomodado comentadores e dirigentes dos partidos do governo (alguns fazendo o “dois em um”) foi mesmo o protesto e a sua dimensão. Não foi o desmaio de Cavaco Silva, nem tão pouco a brincadeira de alguns humoristas face à situação, pois a isso não reagiram… era a brincar. O protesto, bom, esse era a sério.
Um ou outro dos que comentaram lá foi dizendo que aquele dia também não era próprio para protestos, embora sem acrescentar a razão. Que todos os dias são bons para os governantes provocarem, com as suas políticas, mais pobreza – cortando salários, pensões e prestações sociais –, mais desemprego, mais e maiores fragilizações na Educação, na Saúde e em outras áreas sociais, isso parece incontestável. Agora protestar contra essa governação é que eles gostariam que tivesse os dias contados… e, se possível, fossem poucos.
Do alto da sua arrogância, alguns dos “radio/television man show” decidiram aproveitar o caso para dirigirem insultos ao Secretário-geral da FENPROF que, acompanhando o Sindicato que coordena, esteve no protesto. Desqualificado e mal-educado foram alguns dos mimos de quem, o que gostaria mesmo era chamar-lhe “comuna” o que, em sua opinião, seria a mãe de todos os insultos. Sendo verdade que a contenção verbal prevaleceu, pois ficaria mal o recurso a linguagem própria dos fascistas, já a intenção não se distanciou dos métodos daqueles: isolar quem se quer atingir, denegrir socialmente e fragilizar, ainda que recorrendo a mentiras.
Prender, por ser comunista e/ou sindicalista, para já, não é possível. Abril tem 40 anos, mas tem sabido renovar-se. Sobram, então, as palavras. Entendia um dos comentadores que, dominicalmente, debita a sua homilia, que teria faltado chá ao Mário Nogueira em criança. É verdade, chá e outras coisas, que são todas as que faziam a diferença entre o que faltava aos filhos de operários e o que sobrava aos filhos de ministros do fascismo. Ambos os pais de cabeça levantada, é verdade, embora uns olhando para ver quem os contestava, outros para garantirem não estar a ser perseguidos pela pide. Mas não é essa diferença entre classes, em que o chá em criança distinguirá os bons dos maus, que confere a alguém um estatuto de casta superior. A democracia que, desde Abril de 74, Portugal vive tem um só lado e nele estão todos, em pé de igualdade, tenham ou não crescido encostados a um bule. »

Mário Nogueira
Cidadão, Professor e Sindicalista

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