domingo, 18 de fevereiro de 2007



Sebastião da Gama – o professor poeta

O Poeta beija tudo, graças a Deus...E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade...E diz assim: «É preciso saber olhar...». E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as crianças, entusiasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos...E levanta uma pedra escura e áspera para mostrar uma flor que está por detrás...E perde tempo (ganha tempo...) a namorar uma ovelha...E comove-se com coisas de nada: um pássaro que canta, uma mulher bonita que passou, uma menina que lhe sorriu, um pai que olhou desvanecido para o filho pequenino, um bocadinho de Sol depois de um dia chuvoso...E acha que tudo é importante...E pega no braço dos homens que estavam tristes e vai passear com eles para o jardim...e reparou que os homens estavam tristes...E escreveu uns versos que começam desta maneira: «O segredo é amar...» - in Diário, 1962
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E quantas vezes não recorremos às palavras dos outros para traduzir os nossos pensamentos.
Hoje fomos em busca de uma voz que nos falasse de poesia, mas também desta arte que é saber ser professor.
Encontrámos as palavras de Sebastião da Gama, poeta português em cuja obra encontramos uma poesia de laivos românticos, mas também textos que testemunham a sua experiência enquanto docente e que, de acordo com Jacinto do Prado Coelho, são, “sem dúvida, um dos mais impressionantes documentos escritos em Portugal na primeira metade do século XX – documento sobre a maneira como concebia o ensino e a vida, alguém para quem dar uma aula mal se distinguia de criar um poema.”
De facto, se atentarmos no texto em epígrafe que fala do que é ser poeta e enumerarmos apenas as expressões em Bold, verificaremos que traduzem também, no geral, as funções de um professor na escola de hoje. Senão vejamos:

É preciso saber olhar;
perde tempo (ganha tempo...);
comove-se com coisas de nada;
E acha que tudo é importante...

Porque não reflectir sobre estas questões?...

E neste percurso de memórias e pensamentos podemos lembrar que Sebastião da Gama, nascido no ano de 1924, em Vila Nogueira de Azeitão, concluiu o Curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947, ano em que, também, iniciou a sua actividade de professor.
Sebastião da Gama ficou para a história pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos, registado nas páginas do seu famoso Diário (iniciado em 1949).

Literariamente, não esteve dependente de qualquer escola, afirmando-se pela sua temática – amor à natureza, ao ser humano – e pela candura muito pessoal que caracterizou os seus textos.

A simplicidade dos seus textos e a limpidez das palavras poderiam se explicadas pela proximidade desde cedo da morte. Sebastião da Gama faleceu aos 28 anos vítima de tuberculose, doença que lhe foi diagnosticada na sua juventude e, apesar da injustiça de morte tão precoce, não encontramos nos seus textos qualquer raiva, apenas as palavras puras.

A terminar esta breve referência a um poeta que nos faz lembrar os aedos (poetas) gregos que muito ensinavam, deixamos aqui registado um poema que nos faz lembrar “A Liberdade” de Fernando Pessoa:

Agora sim, que fechei o livro de Poesia.
O Sol deixou de ser uma metáfora para ser o Sol.
Os sentimentos deixaram de ser apenas palavras.
Tudo é de verdade, agora que fechei o livro de Poesia
e olhei de frente quanto existe.

Porque diabo me ensinaram a ler?
(Se não soubesse ler nem sequer fechava o livro
insatisfeito porque o não tinha aberto.)
Porque me não deixaram sempre agreste e criança?
As minhas leituras seriam todas fora dos livros.

Havia de olhar para tudo com uma alegria tão grande,
com uma virgindade tão grande,
que até Deus sorriria
contente de ter feito o Mundo
...

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