quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007


.
.
.
por Karen Blixen, África Minha, pp. 146-147,
Colec. Mil Folhas, Público




(...)Quando nos tornámos mais íntimas, as raparigas perguntaram-me se era verdade o que tinham ouvido dizer, que certos povos da Europa dão as raparigas de graça aos maridos. Haviam-lhes contado, mas elas não podiam crer que houvesse uma tribo tão depravada que pagasse ao noivo para se casar com a rapariga. Que vergonha para esses pais e para as raparigas que se submetiam a ser tratadas dessa maneira! Onde estava o respeito por si mesmas, o respeito pela mulher, pela virgindade? Se tivessem nascido nessa tribo, disseram-me elas, teriam feito o voto de ir para o túmulo solteiras.

Nos nossos dias, na Europa, não temos oportunidade de estudar a técnica da modéstia virginal, e nos livros antigos nunca consegui captar o seu encanto. Só então compreendi como o meu avô e o meu bisavô caíram de joelhos em adoração perante as suas mulheres. O sistema somali era a um tempo uma necessidade natural e uma arte requintada, era simultaneamente uma religião, estratégia e ballet, sendo praticado em todos os seus aspectos com a devida devoção, disciplina e destreza. A sua grande beleza reside no jogo de forças opostas existentes no seu âmago. Por trás do eterno princípio da recusa , havia muita generosidade; por trás do pedantismo, quanto escárnio e desprezo pela morte. Estas filhas de uma raça de lutadores submetiam-se a este cerimonial de pudor como a uma grande dança guerreira cheia de graciosidade; a manteiga não derreteria na sua boca nem elas teriam repouso até terem bebido o sangue do coração do seu adversário. Pareciam três ferozes lobas ainda jovens vestidas com peles de cordeiros. Os somalis são um povo vigoroso, endurecido nos desterros e no mar. Os grandes pesos da vida, uma opressão tenaz, as vagas alterosas e muitos e muitos séculos devem ter transformado as suas mulheres em âmbar duro e brilhante.



__________________



realmente, nós, os europeus, somos uma tribo estranhíssima...

2 comentários:

Abssinto disse...

Ontem por acaso comprei "A festa de Babette e outros contos" naquela feira do livro no metro da Estação Oriente.

bjs

Rosalina Simão Nunes disse...

esse ainda não tenho.