domingo, 25 de fevereiro de 2007




Almada Negreiros - o artista completo






Fechemos os olhos e façamos uma viagem ao passado. Viajemos até à nossa infância e brinquemos, outra vez, com os nossos sonhos...

Depois de subir o pano, ouve-se um tambor que se vai afastando. Quando já mal se ouve o tambor, o Boneco levanta-se, e vai espreitar ao fundo para fora. Entretanto, a Boneca senta-se e está admirada de ver o Boneco a andar. Quando o Boneco volta para o lugar, fica admirado de ver a Boneca sentada a olhar para ele.
É desta forma que inicia o texto dramático Antes de Começar de Almada Negreiros. É desta forma que nós podemos partilhar com aquelas duas personagens, o Boneco e a Boneca, um sonho: sentir que os nossos brinquedos podem ganhar vida, podem falar, sentir.
Ao longo de uma cena apenas, Almada Negreiros faz falar os sentimentos simples, as certezas e incertezas do coração, faz-nos, em suma, reflectir sobre aquilo que somos, como pensamos e sentimos. Podemos encontrar neste texto frases tão singelas como estas: Ah!...Eu sou como as crianças...só sei o do que já aconteceu comigo!...; O que uma pessoa é por fora é igual ao que é por dentro! É uma coisa só...; A quem não acredita no coração tudo serve de engano.
Este texto - Antes de Começar - é, habitualmente, lido no 8º Ano a Língua Portuguesa. É nessa altura, também, que os alunos tomam conhecimento da versatilidade de Almada Negreiros - artista plástico, poeta, ensaísta, romancista, dramaturgo e coreógrafo -, nascido em São Tomé e Príncipe, no dia 7 de Abril de 1893. Veio para Portugal ainda criança, tendo feito os estudos em Lisboa e Coimbra.
Pertenceu ao grupo Orpheu com Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro.
Redigiu alguns dos mais provocativos manifestos futuristas, conferências e textos doutrinários, podendo mesmo dizer-se que desde 1910 teve intervenção em quase todas as manifestações realizadas em Portugal com o fim de desenvolver uma nova orientação para a produção artística, procurando colocá-la num rumo diferente e na linha de renovação que igualava em idênticas inquietações todos os países animados pelo espírito europeu.
A sua obra literária permaneceu praticamente dispersa, até ao fim da sua vida, em revistas.
Morreu em 1970, em Lisboa, com 77 anos de idade.
Sobre ele disse Maria José Mauperrin no Expresso (3/4/93), aquando da comemoração do centenário do seu nascimento: Almada Negreiros nasceu há cem anos. Homem de variados talentos, deles se serviu para exprimir a sua raiva contra os imobilismo. Inconformado com o tempo em que viveu, lutou sempre para ir além dele. No desenho como na dança, no romance como no poema. Almada não precisa de efemérides para ser lembrado. Almada é. Almada está.
São dele, do poeta, do dramaturgo, romancista...as palavras que se seguem. Nessa quase assustadora consciência daquilo que deva ser a precaridade da vida humana, poderá estar, quiçá, a justificação para uma obra tão versátil:
Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida não chegam, não duro nem para metade dos livros. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido.