quarta-feira, 30 de agosto de 2006

(foto de Wind)

o jantar
todos os anos era aquele aborrecimento. tentava sempre arranjar maneira de se esquivar àquele cansativo, enfadonho encontro, mas o joão não aceitava. vinha logo com a conversa de não ser conveniente aparecer sozinho. que os outros sócios iriam pensar que havia algum problema entre eles. e que depois, no escritório, começariam os comentários irónicos.
tão cansativo era ter de ir ao tal jantar como ouvir a argumentação do joão, por isso, nem insistia e lá se arranjava para o compromisso. afinal seria apenas e tão só outra noite.
maçadora, mas outra noite.
desta vez desconhecia o local. pelo menos teria a oportunidade de se ir distraindo com a decoração. e com tanta coisa para fazer. perda de tempo!
cedências numa relação que se mantinha equilibrada, ainda assim. abriu a janela do carro, já em movimento, e olhou de soslaio para o joão. sorriu: amava aquele homem.
chegados ao restaurante, foram recebidos numa ante sala onde estavam quase todos. distribuiu sorrisos, alguns beijos, e pequenas frases feitas trocadas...
entretanto, foram chamados para a sala de jantar.
a decoração era excelente. as cores discretas, quentes. a iluminação fantástica. sentou-se e não pôde deixar de sorrir. afinal até se estava a sentir confortável. começaram a ser servidos e, ao som dum piano distante, ouviam-se pequenas gargalhadas, sussurros de conversas...
o joão tocou nas suas mãos, num gesto terno e cúmplice.
a dada altura, discretamente, conseguiu conquistar algum silêncio, alheando-se das conversas dos outros, e olhou para o tecto...
os seus olhos ficaram cativos do candelabro. semicerrou-os e deixou-se embalar pelo som cada vez mais longínquo do piano...descia, agora, uma escadaria enorme. ao fundo, do lado esquerdo, uma porta: o princípio de um salão vazio de pessoas, onde existia somente o candelabro e alguém que a esperava à entrada.
deixou-se conduzir até ao centro e, em sintonia com a melodia que viajava por aquele espaço, os corpos deslizaram pelo salão harmoniosamente.
e, quando a música...tocaram-lhe no ombro. era o joão que a chamava. alguém queria saber qualquer coisa. respondeu e fechou, de novo, os olhos. mas o momento anterior terminara.
perdera-o.

10 comentários:

MariaTuché disse...

Depois de ver e ouvir no noticiário noticias que me deixaram com o estomago ás voltas, só mesmo um post belissimo como este para me sentir como se estivesse dentro dessa sala com esse maravilhoso candelabro.

A foto da Wind encaixa na perfeição, é magnifica.

Beijos e bons sonhos

Rosalina Simão Nunes disse...

tuché, oxalá as palavras e a "luz" tenham o poder de te fazer esquecer o que viste no noticiário.

olha, eu há algum tempo que deixei de "ver" notícias. prefiro lê-las ou ouvi-las apenas. são mais reais assim.

o texto foi motivado pela foto da wind.

bons sonhos?! ainda nem jantei.
[gargalhadas]

noite descansada.

Anónimo disse...

Gostei: do texto,... da foto... do enredo. Infelizmente, pelo cansaço, já não estou em condições de fazer um comentário minimamente aceitável :D

Assim, resta-me desejar-te uma boa....mas mesmo... uma boa noite

bjs

Anónimo disse...

Um texto lindíssimo, onde visualizamos tudo, sentimos e só tens de perder a preguiça e o medo de continuar, ou dar um fim às histórias:)
Já é a 2ª que deixas "pendurada", como esse candelabro que te inspirou e que a wind me segredou que te agradece;)

Rosalina Simão Nunes disse...

sabes, preguiça, creio que não se trata nem de preguiça, nem de medo.

são mesmo assim as minhas histórias: pequenos momentos contados.

diz à wind que eu é que agradeço. :p

Rosalina Simão Nunes disse...

esse comentário é perfeitamente aceitável, claudynius.

Cristina disse...

lindo texto :))
gosto muito destas descrições de momentos:)(e o que se perde...) quem dera saber descrevê-los como tu..



beijinhos

Rosalina Simão Nunes disse...

refinado, sabr? muito agradável ler isso. obrigada.

Rosalina Simão Nunes disse...

sabes, cristina, tenho alguns pequenos momentos destes escritos. gosto de os escrever. quando o faço perco-me no trabalho de construção da frase, na escolha das palavras, no 'arrumar' do texto. sempre gostei de fazer isto. encontrar a palavra certa para o gesto, o olhar, o cheiro...é um exercício mental que aprecio bastante. mas tem sido quase sempre um acto isolado. escrevo-os e guardo-os.

desde que ando por 'aqui' tenho publicado alguns e sempre com a sensação de que não fará sentido para os outros.

agradavelmente, faz. e nem imaginas como fico contente com essa partilha.

uma beijoca fofa.

Anónimo disse...

Entonces deixa la preguiça e partilha con nosoutros, si?
lol