terça-feira, 22 de agosto de 2006


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alma mater




"A mãe morrera, num Outono, quando ele frequentava o sexto ano. Tinha uma ideia vaga do dia em que chegara a Cerromaior e do funeral. O que mais recordava era a porta tapada de pobres e a velha Maria Biscoita a forçar a entrada. Apesar das tentativas para dissuadi-la, foi sentar-se, no chão, aos pés da cama. Aí rompeu numa lamúria, baloiçando o tronco ao de leve. Debaixo dos cobertores, o corpo da morta quase não fazia vulto.

Depois, os pobres encheram as ruas até ao cemitério do Castelo. Ninguém conseguia afastar Joaquim Mónico de ao pé do caixão. Nada dizia, obstinado, furtando o corpo a todos que tentavam afastá-lo. Rasgado e descalço, destacava-se no meio dos senhores da vila."
(...)
A morte do pai estava mais presente. Com o tempo, Adriano confundia ambas na mesma saudade."
(...)
"A cabeça vogava-lhe como num pesadelo. Lenta e insensivelmente, no escuro da cela, uma suve presença insinuou-se. Alvoraçado, o coração bateu-lhe. Era a sonhada presença da mãe. Amorosa presença que lhe derramava ternura pelos membros cansados. Sentiu um novo alento. Puro e sem pecados, o coração batia-lhe. Ergueu-se. Ia caminhar, tinha ainda forças para caminhar. Visíveis, à sua volta, os pobres que tapavam o portão do quintal, Doninha, Zé da Água, Tóino Revel, Bia Rosa, Inácia, Antoninha, Maltês e os ceifeiros da Fonte Velha seguiam-no. Ao lado, passo a passo, a mãe ia também - nem ele sabia por onde, mas tinha a certeza que era para uma planície de fartura e paz."



(excertos de Cerromaior, Manuel da Fonseca)

3 comentários:

wind disse...

Excelente extracto.
Gosto desse escritor pela maneira descritiva, vê-se e sente-se a situação, como se estivéssemos ao lado das personagens, entramos no espaço e tempo:)

Rosalina Simão Nunes disse...

este, "Cerromaior", era um dos que andava a (re)ler. acabei de o ler hoje à tarde. o último excerto que transcrevi, o parágrafo final, é lindo...

Rosalina Simão Nunes disse...

'brigada, sabr. bom dia.