terça-feira, 9 de janeiro de 2007

A transmissão literária, para poder efectuar-se de modo perdurável, pressupõe, em primeiro lugar o conhecimento e o uso da escrita. Esta existiu na Grécia desde tempos muito mais recuados do que ainda há poucos anos se supunha. Com efeito, desde que, em 1953, o arquitecto inglês M. Ventris, coadjuvado pelo filólogo J. Chadwick, decifrou o chamado Linear B, sabe-se que já no século XV a.C. os Micénios se serviam de um silabário para fazer os seus registos, silabário esse que deriva do Linear A, ainda não decifrado, que usavam os Minóicos. Precisamente porque a língua empregada no Linear B era já grego, foi possível estabelecer esta equação, doravante fundamental: que os Micénicos eram Gregos.
Mas este complicado processo de escrita, que usa de um sinal diferente para cada sílaba (e não de um para cada som, como o alfabeto) desaparece por completo da memória dos homens com a chamada invasão dórica, em 1100 a.C., e assim fica no olvido até que a enxada dos arqueólogos o faz reaparecer, em tempos modernos.
O certo é que os Gregos que vieram depois se sentiram na necessidade de importar um sistema de escrita da Fenícia, o alfabeto, que adaptaram como puderam à sua fonética. É este alfabeto, aliás, com diversas variantes locais, que mais tarde há-de servir de modelo ao latino, ao gótico e ao cirílico e, deste modo, está na base de todos os processos de escrita em uso na Europa actual.
Quando se fez essa importação não sabemos. Talvez fosse pelos meados do séc. VIII a. C. . No estado a actual da Ciência, dá-se como sendo de c. 725 a.C. a mais antiga inscrição encontrada.
Mas o facto de existir a escrita, e de ela ser usada para consignar acontecimentos dignos de registo, não quer dizer que fosse empregada para fixar as obras literárias. E, de facto, há provas bastantes de que a poesia primitiva era exclusivamente oral. Supõe-se mesmo que teria sido com o aparecimento da prosa que se constituiu o hábito de compor livros, o que teria ocorrido pelo séc. VI a.C., com a obra do filósofo Anaximandro. De outro filósofo posterior, Heraclito, sabemos nós que depôs o seu livro no templo de Ártemis em Éfeso, sua cidade natal, certamente para impedir que se perdesse. Também é seguro que o historiógrafo Hecateu compôs um livro. No séc. V a.C., a prática estava generalizada, e, no séc. IV, tão arraigada que, como escreveu espirituosamente o Prof. E. G. Turner, da Universidade de Londres, começa desde então a «tirania do livro». Notemos, porém, de passagem, que a tradição do ensino oral, praticado ainda, ao que parece, pelo mais antigo filosofo, Tales de Mileto, perdura noutros grandes nomes, como Pitágoras e Sócrates, e Platão proclama a superioridade deste sobre o escrito.
Maria Helena da Rocha Pereira, 1979
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apesar do excelência da escrita a poesia deve ser sempre dita...

4 comentários:

Pedro Damião disse...

E lida. Mas não consigo. Não con-si-go. Ou então não tentei. Será talvez mais essa hipótese. Alguma sugestão para começar, cara consultora (se é que a posso tratar assim)?

Rosalina Simão Nunes disse...

ora deixa cá ver...

pois, acho que o melhor é mesmo ouvir ler / dizer poesia.

é sempre o melhor princípio. ;)

temos de fazer umas tertúlias nos nossos muitos tempos livres!

ehehehheheheh...

Anónimo disse...

Velhos e bons tempos esses de Tales de Mileto, onde o oral era 'palavra' de ordem...

:)

XX

Rosalina Simão Nunes disse...

pois, jotabê...sabes cada vez tenho mais a certeza que, reconhecendo, claro, o peso da escrita, é mais 'fácil' aprender a escrever do que a falar. e quando digo falar estou a referir-me ao acto de comunicar. não ao de soltar palavras...isso todos somos capazes de fazer. :)

olha...de repente fiquei nostálgica.

recolho-me.