DESPENALIZAR, por Daniel Oliveira
Dizer como li por aí nuns cartazes, que o aborto será livre antes das dez semanas é um contra-senso semântico. Se é apenas até às dez semanas e apenas quando realizado em estabelecimento de saúde autorizado, então não será livre, será legal e condicionado. Mas se o aborto não será liberalizado depois de Fevereiro, também não se limitará a deixar de ser considerado crime. Será efectuado em clínicas privadas e, espera-se, no Serviço Nacional de Saúde. Se fosse ao ponto de liberalizar o aborto ou se apenas se ficasse pela descriminalização, o Estado resolveria o problema legal. Mas não faria nada para resolver um problema de saúde pública. E continuaria sem nenhuma estratégia de planeamento familiar para as mulheres que abortam. Sobretudo para as adolescentes. Ao despenalizar o aborto quando realizado em estabelecimentos de saúde o Estado não se limita a lavar as mãos do problema. Diz que vai fazer alguma coisa para o contrariar.
Se uma vitória do 'sim' neste referendo representará mais do que uma descriminalização e menos do que uma liberalização, uma vitória do 'não' terá um único resultado: deixará a lei como está, que continuará a punir com pena de prisão até aos 3 anos a mulher que aborte. E se assumirmos que o momento exacto do começo da vida humana - ao contrário do valor da vida, indiscutível entre todas as pessoas civilizadas - está longe de ser uma questão pacífica, então entramos num debate político que ultrapassa o assunto deste referendo: até onde deve ir o Estado. Por mim, acho que os Estados democráticos só devem criminalizar uma conduta quando ela seja consensualmente condenada pela sociedade. Quando esse consenso não exista, devem deixar para cada o direito e o dever de, nas suas opções de vida, serem fiéis às suas certezas morais. E para isso ninguém precisa de uma lei.
in Expresso de 6 de Janeiro de 2007, pág. 27
2 comentários:
nem mais :)
beijinho Princesa.
é, cristina.
graças a deus que ainda se vão lendo coisas lúcidas sobre o assunto. ;)
beijocas.
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