domingo, 19 de novembro de 2006

Creonte


Ai de mim! não pode jamais a minha sorte
a outro mortal adaptar-se, e a mim
deixar-me sem culpa!
Fui eu, fui eu que te matei, ó desgraçada,
fui eu, esta é a verdade. Ai, ó meus servos,
levai-me sem demora, p'ra longe me levai,
a mim que não sou
mais do que nada.



Coro


Vantajosos são os teus conselhos, se é que na desgraça alguma vantagem pode haver. Quando o mal está iminente, quanto mais depressa, melhor.



Creonte


Sim! Sim!
Que surja p'ra mim
a sorte mais bela, o dia trazendo
derradeiro, e para mim supremo.
Que venha, sim, que venha e que eu não veja
o dia nunca mais!



Coro


Isso ao futuro pertence. Mas com os que aqui jazem algo há a fazer. O resto importa só àqueles que disso têm cuidado.



Creonte


Mas, pelo menos, todo o meu desejo o pus nesta oração.



Coro


Não, não implores ninguém; aos mortais não é dado libertar-se do destino que lhes incumbe.



Creonte


Levai, sim, levai para longe este homem
tresloucado, que sem querer te matou, filho,
e a ti, também!
Ai de mim, desgraçado, não sei para qual
hei-de olhar, a quem apoiar-me, pois tudo
que tenho nas mãos está abalado; sobre mim
impende um futuro
que não se suporta.

(Creonte é levado para o palácio.)



Coro


Para ser feliz, bom-senso é mais que tudo.
Com os deuses não seja ímpio ninguém.
Dos insolentes palavras infladas
pagam a pena dos grandes castigos;
a ser sensatos os danos lhes ensinaram.


(in Antígona, Sófocles, INIC, 1984, vv. 1316-1353,
pp. 95-96, trad. de Maria Helena da Rocha Pereira)
_______________________________________
deste excerto de Sófocles, séc. V A.C., destaco:

Quando o mal está iminente, quanto mais depressa, melhor.
...aos mortais não é dado libertar-se do destino que lhes incumbe.
Para ser feliz, bom-senso é mais que tudo.

porque os outros já tudo disseram, às vezes, é tão inútil insistir nas nossas palavras:

Dos insolentes palavras infladas
pagam a pena dos grandes castigos;
a ser sensatos os danos lhes ensinaram.

persiste, no entanto, a dúvida sobre o ensinamento.

2 comentários:

Alien8 disse...

Vejo que ninguém comentou a Antígona. Assim, aproveito para me gabar.

Primeiro, fiz parte do Coro:

"Ó raios do céu, ó luz mais bela
em Tebas, a das sete portas, a resplandescer!
Brilhaste, enfim, ó farol dourado do dia
avançando pela corrente dirceia..."

(Disto ainda me lembro. Acho :)).

Depois passei a Tirésias. Uma chatice, estar de olhos fechados.

Finalmente, fui Hémon. Por essa altura, sabia a peça toda de cor. Pudera!

A Antígona do Sófocles, claro! Já nessa altura, em tradução da Prof. Dra. Maria Helena da Rocha Pereira.

Há quanto tempo!

Muito me diverti. E aprendi.

Agora, continuo a aprender, com este teu post. Muito interessante.

Boa semana :)

Rosalina Simão Nunes disse...

que memória, alien!

eu gosto de rever os clássicos. de vez em quando pego neles e passo uma tarde agradável. ou, então, por ver isto ou aquilo, lá vou à procura...

e tenho saudades das aulas. disso tenho saudades. muitas.

olha, e acho que vou acabar a noite a partilhar a discussão entre pai e filho. aprecio bastante esse momento.

boa semana para ti, também.

obrigada.